terça-feira, 29 de abril de 2008
A mídia comeu mosca
Por Alberto Dines, do Observatório da Imprensa
A fome ganhou destaque na imprensa de todo o mundo, como se fosse um tsunami. Mas a fome é um fenômeno previsível, resultado da combinação de fatores naturais com movimentos econômicos. Ao reagir com manchetes assombradas a uma desgraça anunciada, a imprensa foge do questionamento essencial sobre o funcionamento dos mercados.
A imprensa nacional e internacional está tratando o espectro da fome como se fosse fato novo, quente, recém-acontecido. A revista The Economist (espécie de bíblia do jornalismo econômico) informou na semana passada que a escassez de alimentos pegou a todos de surpresa.
Não é verdade. A própria Economist mostrou na mesma matéria o salto espetacular nas cotações das commodities agrícolas nos últimos anos. A mídia comeu mosca nessa história de falta de comida – aqui e lá fora.
Dietas e brioches
Certos movimentos econômicos só se tornam perceptíveis quando estão muito adiantados. O silêncio é a alma do negócio e os investidores não gostam de barulho – movimentam-se antes que as suas jogadas sejam transformadas em tendência.
Veja-se o caso da crise hipotecária americana que só se tornou visível quando já era fato consumado, irremediável e irreversível. Contribuíram muito para a atual alta nos preços agrícolas as aplicações nos mercados futuros praticadas justamente por aqueles que perderam dinheiro no mercado hipotecário americano e europeu.
A escassez de alimentos é um fenômeno global criado por uma conjunção de fatores que precisam ser explicados de forma muito clara. O sensacionalismo não funciona numa cobertura deste tipo. Muito menos os modismos mundanos: enquanto a fome transforma-se no personagem do ano, a capa da revista Veja neste fim de semana ensina como fazer dietas balanceadas. Lembra a infeliz Maria Antonieta com os seus brioches.
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